10/23/2008

As tears go by



Aí ela descobre que a vida é uma "grandessíssima" porcaria. Que é tudo um engodo. Tudo de mentira. Tudo fantasia. E que ela acorda muito cedo, faz uma obrigação com prazer e retorna à casa e não sente vontade de mais nada a não ser dormir profundamente. Aí ela faz exatamente isso. Dorme profundamente e sonha. Aí é despertada pelo toque de seu celular. Uma pessoa muito querida liga para ela de longe porque está com saudades e se preocupa em responder a um recado que ela deixou há dias. Ela percebe que a pessoa não está bem e diz à mesma que não há a menor necessidade de obter resposta. Apenas ela deixou o recado para mostrar que essa pessoa é importante. E que ela quer vê-la bem. Aí ela vai ver um moço muito íntimo, muito amigo, muito querido de 39 anos enfermo num hospital renomado e muito sofisticado. E que uma pessoa tomou esse moço para si e não quer ninguém por perto. Ela chega perto e diz com os olhos para ele que está lá de qualquer forma. Ele entende e sorri de maneira discreta. Ela entende. Vai embora. Vem uma sensação de impotência. O caminho é longo no retorno para casa. Trânsito. Aí ela repensa sua vida. Sua miserável vida. Ela pensa em sua saudade. Em seus momentos de euforia acreditando que o objeto de sua saudade responde veladamente o mesmo. Descobre que é tudo um engodo, um erro. Ele está mandando recados, sim, mas muito provavelmente para outra pessoa. Ela não é o objeto da mesma saudade. "Acorda! É só uma grande coincidência", pensa ela. "Como um homem como ele poderia sentir saudades de gente como você?" Aí ela já fantasia -ou não, que ele está apaixonadíssimo por uma outra moça que não deve estar correspondendo. E que ele nem lembra mais que ela existe. Nem se lembra que um dia a conheceu. E aí vem a tristeza e ao mesmo tempo a noção de realidade. A noção de que ela é um pontinho que a qualquer momento sucumbe a tudo. E que a vida é uma "grandessíssima" porcaria. E que nada, nada do que fizer fará sentido. Nada do que fez teve sentido. E que foi tudo um grande engano. E que toda sua suposta sensualidade não passa de uma camuflagem para esconder seu verdadeiro eu. Depressivo e caído. Ela chega em casa e resolve dormir novamente. Só que agora, dentro de seu mundinho real, não consegue mais, pois sabe que dificilmente irá tocar novamente seu telefone. A euforia acabou, o sonho não virá e amanhã tem que se acordar novamente muito cedo e fazer a mesma obrigação de todos os dias com o mesmo prazer. E aí, pensando nisso, ela digita algumas palavras desconexas na tela do computador. Abre seu aquivo de imagens e vê o retrato do objeto de sua saudade. Aumenta o tamanh0 para fingir que está olhando em seus olhos e mostrando seu desalento. E chora. Porque chorar é o que lhe resta, é o que lhe sobrou.

25 comentários:

rose marinho prado disse...

Uau! Que triste!
A vida é isso mesmo. Mas não se deve chorar, só piora...
Pobre mulher.

Marie Tourvel disse...

Mas rir não se pode também, não é, Rose, querida? Acho que a vida é uma "gradessíssima" porcaria mesmo...
Um grande beijo!

Filipe de Santa Maria disse...

Aí vem um rapaz e lê tudo aquilo que ela escreveu. Ele pensa nas vezes que já se sentiu assim, que várias vezes achou que tudo era uma porcaria. Mas também que depois veio alguém e colocou um sorriso no seu rosto. E assim vai acontecer com ela. Ela está triste, mas logo um sorriso (nem que seja um de cantinho de boca) vai deixar sua alma mais leve. E aí ela vai enxugar suas lágrimas e perceber por um pequeno momento que ainda vale a pena passar por este breve período de existência.

Marie Tourvel disse...

Aí, Philippe, ela lê uma mensagem linda como essa deixada aqui e consegue dentro de seu choro esboçar esse sorriso de canto de boca ao qual você se refere. Porque na realidade sabe bem que a vida é isso mesmo. Pequenos fragmentos de bons e maus momentos. E que de qualquer forma ainda vive de paixão.

Um beijo e obrigada.

R. B. Canônico disse...

Marie!

Há uma poesia por trás da prosa heróica de nossas vidas! Só precisamos conseguir enxergá-la!

E aí a grandessíssima porcaria muda de tom. É a mesma paisagem; apenas houve a aurora, e com ela a mesma paisagem ganha um novo aspecto, sem mudar nada, essencialmente!

Torço muito para que a aurora ilumine logo, logo isso tudo!

Beijos!

rose marinho prado disse...

Se sabemos que a vida é uma porcaria...por quê ficamos esperando mais e mais?
Não somos adaptados à vida porcaria ou à porcaria da vida.
Um coelho , na floresta, não deve analisar o q podia ter sido. E a gente analisa e vê o que falta, o que podia ter sido.
Que droga!

Beijos

Anônimo disse...

Marie às vezes saio daqui meio perdida mas sempre gosto tanto ...
leio releio trileio e tudo mais... gosto demais. :P


Beijos!
:)

Marie Tourvel disse...

Sabe que faz todo sentido para mim, Canônico, o que escreveu, né? Existe poesia em qualquer momento de nossa vida. Por mais miserável que ele seja.
Eu agradeço seu comentário e espero a aurora ansiosamente, pois "a sorrir eu pretendo levar a vida..."
Beijos e muito obrigada pelas palavras. :)

Anônimo disse...

Ué... meu comentário sumiu! :(

Marie Tourvel disse...

Também acho uma droga, Rose. Ontem eu ouvi de uma pessoa que é horrível viver na ignorância. Às vezes, só às vezes, gostaria de viver como o coelhinho da floresta. Sem o menor poder de análise. :)
Beijos, querida amiga.

Marie Tourvel disse...

Não se perca, sabesselá. Quando a dúvida pairar em sua cabecinha linda, vai lá em dezembro de 2007 e leia meu primeiro post. Lá eu digo com todas as letras que sou bipolar... :P
Mas amo que você vem aqui e diz que gosta e "trilê". Como diriam os irmãos pirobos Kleiton e Kledir: trilegal! :))))))
Um grande beijo!

Anônimo disse...

Sabe Marie... eu sei como você se sente. Não é fácil, dói e já vou avisando... não passa rápido como nos filmes. O Danúbio quase transbordou outro dia...
Vamos conjugar o verbo chorar??? rs... :P
Força, moça!! Precisando... "tamos" aí, tá?!


Beijos!
:)

Marie Tourvel disse...

Sabe, né? Eu imaginei, sabesselá, que você saberia exatamente como me sinto. Já disse que algo me diz que você sabe como me sinto. ;) E não é como filme, eu sei. É uma novela, daquelas que fazem muito sucesso e a emissora obriga o autor fazer "barriga". :)
Muito obrigada pela força, querida. Sei que tenho uma grande amiga em você!
Beijos!!!

Anônimo disse...

Putz... meu comentário entrou!!! rs... :)
Já li.
Agora vou sonhar... Certo, biscoito?! :P

Beijoca!
;)

Marie Tourvel disse...

E não era pra entrar, sabesselá? :)
Agora vá sonhar, vá...
Gostou do "certo, biscoito?"
:))))
Beijocas!!!

ana v. disse...

Querida, isso vai passar. Tudo passa. É só dar um salto no tempo, para chegar mais perto do dia em que tudo isso não fará a menor diferença, apenas deixou um sorriso na tua boca e nada mais.

Beijos

Marie Tourvel disse...

O bom é saber que o tempo pode não cicatrizar, mas embaça a memória e ter pessoas por "perto" assim como você deixa o tempo passar mais rápido e de forma mais doce. :)
Sábado colocarei "a" poesia recitada por mim. (mas aguarde que responderei ao seu e-mail, querida)
Beijos!!!

Anônimo disse...

marie,

Até a sua tristeza está bem (d)escrita...
Não sei muito bem a razão, mas acabei me lembrando daquele texto do escritor David Foster Wallace que foi publicado na Piauí. É, eu sei, eu sei, mas o texto é bom. Claro que não está mais disponível no site da revista, mas achei num blog, então:

http://tiatiz.wordpress.com/2008/10/18/a-liberdade-de-ver-os-outros/

O que posso dizer além do que já foi dito? Apenas espero que aquele sorriso deixado para trás venha o mais rápido possível.

Abraços!
Marcelo.

Marie Tourvel disse...

Marcelo, meu querido, acordei de súbito a esta hora, dentro de minha tristeza e de um sonho ruim. Não consegui dormir mais e vim para cá. Se soubesse a importância que teve seus comentários e a indicação deste texto que me mandou o linque viria para cá imediatamente para discutirmos sobre ele. Já havia lido na Piauí, mas li burocraticamente por lá. Lido agora, me atingiu a mente e eu diria que poucas vezes pude sentir minh´alma atingida. Pode ser que seja pelo que estou passando neste momento, mas pode ter certeza que em pouquíssimas ocasiões eu tive essa sensação. É tão bom ter amigos como você. É tão bom saber que posso contar com você, meu recente amigo de infância predileto. ;)
Postarei o texto por inteiro aqui no Letras. E não quero lembrar que Foster nos deixou tão prematuramente e com tanta coisa ainda a nos oferecer. Muito obrigada, Marcelo.
Beijos!!!

Anônimo disse...

I'm speechless.
You know.

Beijo enorme

rose marinho prado disse...

Espero o personagem da história esteja melhor.
Eu me arrendi do que escrevi ontem, até porque pensei que a história fosse aleatória. Que fosse.
O caso é que tenho dificuldade de admitir que a vida é uma porcaria. parece que sou contaminada por aquelas leituras da infância, aquelas norte-americanas. Quais?
Meu pai sempre me prescrevia: pensamento positivo...Havia um autor que ele adorava. Eu, não.
Mas lia a pedido dele. E decerto fiquei com essa 'loucura', a de achar que se nos deixamos afundar na tristeza, vai ser pior e pior.
Estou escreveno além da cota. Dakota? rs

( em quem eu voto, Marieee?)

Marie Tourvel disse...

I know, Min, darling. :)
É tão bom vê-la por aqui comentando. Vem sempre, tá bom? Faz um bem danado pra todos. :)
Beijos!!!

Marie Tourvel disse...

Não, Rose, não tem que se arrepender de nada, não. Eu gostei demais do que falou. Foram palavras amigas, isso sim. Acho, inclusive, que a gente não deve achar que a vida é uma porcaria. Devemos seguir o que seu pai lhe ensinou, sim. Apenas o personagem da história não consegue pensar assim durante um curto, às vezes longo, período de sua vida. Mas como disse bem a Ana Vidal corroborando o pensamento de nosso grande filósofo Nelson Ned (ou seria pequeno?): tudo passa, tudo passará...
O personagem da história não está bem, mas se alegra por receber visitas tão agradáveis e palavras tão sinceras. ;)
Você nunca escreve demais. Por mim, leria por horas seus comentários. Adoro ler o que escreve. Muito obrigada por tudo, minha amiga. Beijos!!!

(que tal votar em Marie Tourvel? ;) Não, não seria uma boa idéia. Agora São Paulo já sabe... sei que é horrível, mas não tem outro jeito. ;))

ana v. disse...

Esqueci-me de dizer: grande, grande título de post! "As tears go by" é brilhante, Marie...
Mais um beijo

Marie Tourvel disse...

Ei, Ana, querida, eu também gosto muito deste título. você é que é brilhante. Amanhã tem seu poema, não esqueça. ;)
Um grande beijo.