2/27/2009

Corações e mentes

Naquela noite ela sonhara com dentes. Não os dela, mas com os do eterno amado. Os do eterno objeto de sua saudade. Não eram dentes exatamente bonitos os dele. Eram desgastados e amarelados, mas o gosto de sua boca ficara para sempre na dela. Não era gosto de chocolate. Era um gosto agridoce e molhado.
Mas em seu sonho os dentes dele caíam um a um. Apodreciam. Esfarelavam-se. E ela tentava recolher do chão o farelo. Tinha a esperança de reconstruí-los exatamente como eram. Ele, estático, a fitava com um olhar terno. Quando seus olhares se encontravam caía uma lágrima dos olhos dela. E ele, que sofria com a queda de seus dentes, a olhava com compaixão. Ela acordou soluçando e gritou o nome dele. Nenhuma explicação. Disse apenas que de nada se lembrava. Saiu para a sua rotina diária. Ainda chorosa. Encontrou com sua amiga e lhe relatou o sonho ainda soluçando. A amiga de nada entendia de interpretação de sonhos, mas disse conhecer uma outra que sabia tudo sobre isso. Ela não acreditava nestas coisas, mas ultimamente andava sonhando tanto que resolveu ouvir alguma explicação. Veio a explicação da catedrática. Explicação fulminante num primeiro momento: "Sonhar com dentes apodrecidos e caindo? Morte. Não necessariamente a sua, não necessariamente a dele. Apenas morte." Ouvindo os soluços do choro cada vez mais forte dela, a professora de sonhos quis amenizar, por pena, por misericórdia. Mas só soube piorar. Disse: "Pode ser uma morte simbólica. Pode ser que ele morra em seu coração, apenas." Aí seu choro tornou-se um pranto sem retorno. Aí ela chorava copiosamente. Era tudo o que não queria. Que ele morresse em seu coração. Porque ela sabia que ele jamais morreria dentro de sua mente. Seu medo, agora, era que ela morresse definitivamente na mente dele. Até o resquício de carinho que ela supunha ele sentir por ela em seu coração. E em sua angústia ela pensou: "que eu morra em seu coração e mente, mas que ele seja eternamente feliz." Ele estaria irremediavelmente para sempre no pensamento dela. Era assim que ela queria, era assim que tinha de ser. Ela simplesmente o amava e nem mais se importava que isso poderia implicar num vôo solo...

Lembrei-me de Rilke:

23 comentários:

Anônimo disse...

Charmosa Marie,

Que texto lindo. Tocou-me profundamente.

Acabou há dois meses um relacionamento que durou mais de dois anos. O amor da minha vida.

..."que eu morra em seu coração e mente, mas que ele(a) seja eternamente feliz."...

Faço minhas essas palavras.

Tenha um ótimo dia, pois já melhorou o meu.

Beijos.

Anônimo disse...

é inevitável beber - o perigo é se afogar no que transborda. né? rs
Bjo, Marie :-D

Marie Tourvel disse...

Mikio, meu querido, eu sei o que é deixar escapar pelas mãos o grande amor de sua vida. E só a gente sabe que não é idealização. É fato. Mas quando a gente ama, não quer mesmo a felicidade do outro? Tem que ser assim, não é? ;)

Fico muito feliz por ter melhorado seu dia. E muito feliz por tê-lo por aqui. :)

Beijos!

Marie Tourvel disse...

Eu vivo transbordando, ShicaMaria, querida. Sou uma errante. :(
Mas, ainda assim, sorrindo. Sempre.

Que bom que veio me visitar. ;)

Beijocas

Ricardo António Alves disse...

Marie, tenho lá um ramalhete para si :|

Marie Tourvel disse...

Ricardo, querido, já vi e ouvi. Sou rápida no gatilho. ;)
Mais uma vez agradeço sua extrema generosidade.

E a vocês, leitores queridos, recomendo vivamente o blogue do Ricardo. Cliquem no nome dele e terão surpresas muito agradáveis. :)

Beijos, querido.

rose marinho prado disse...

O Blog do Ricardo é bom, este seu texto também.

Ms não acredito em amor. Acho que é convenção ou doença.

Prefiro amizade.


Beijos

Marie Tourvel disse...

Bom também é a Tampa do Lixo da Rose, viu, leitores?

Talvez eu não acreditasse, também. Achava meio piegas o "amar incondicionalmente". Hoje virei essa piegas que vos escreve. ;)

Um grande beijo

PS: farei de tudo para abraçar o lago. Se meu trabalho me permitir a tempo. :)

Anônimo disse...

e eu a cá, tenho de parar de beber, parar de beber, repetindo, repetindo, bonjour, bonjour

Marie Tourvel disse...

E eu me deliciando com seu bonjour, bonjour. Madruguei e tenho a surpresa de sua presença por aqui, Quincas, querido. ;)

Acordar assim é bem mais fácil. ;)

Bisous et bonjour

Madame Min disse...

"Aí seu choro tornou-se um pranto sem retorno. Aí ela chorava copiosamente. Era tudo o que não queria. Que ele morresse em seu coração. Porque ela sabia que ele jamais morreria dentro de sua mente. Seu medo, agora, era que ela morresse definitivamente na mente dele. Até o resquício de carinho que ela supunha ele sentir por ela em seu coração. E em sua angústia ela pensou: "que eu morra em seu coração e mente, mas que ele seja eternamente feliz." Ele estaria irremediavelmente para sempre no pensamento dela. Era assim que ela queria, era assim que tinha de ser. Ela simplesmente o amava e nem mais se importava que isso poderia implicar num vôo solo..."
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Aqui não pude deixar de me emocionar. Porque de uma certa forma parece que estou de mãos dadas com você sempre...
(E essa coisa de me psicografar está ficando 'ph', hein, amiga?).
Vou citar no Lado B a Marie e o trecho que me fazem ver, todos os dias, que eu não sou tão estranha..

Beijos e mais uma vez obrigada por dizer o que daqui não sai.

Min

Marie Tourvel disse...

Querida amiga "parisiense", Min, eu pensei que você se identificaria com mais este texto. ;)

Essas psicografadas me dão prazer. :)))

E não, não somos tão estranhas assim...

Muita saudade.

Beijos!

Anônimo disse...

Querida Marie! Hoje levantei feliz, apesar de ontem, e quero que vc participe de minha alegria cantando comigo, ou ouvindo aquela música que gostamos tanto não é mesmo? Já se lembrou da música com o Angelo Maximo? Se não se lembrou, aqui vai o link, minha querida de tantos anos.

http://www.youtube.com/watch?v=q09V1In43uQ

Beijos no coração.

VHS

Marie Tourvel disse...

Ahan, VHS, sei... nossa música. De tantos anos. Angelo Máximo é adorado aqui neste blogue, principalmente por seus olhinhos com tique nervoso.
Mas, olha, acho que você me confundiu mesmo, querido. Na época em que o "Macsimo" cantarolava esta melodia eu era muito pequenina. ;)

Um beijo

Anônimo disse...

Também achava que não existia o amor.

Até sofrer. Até quase morrer com a ausência de uma pessoa!

Não, não estava louco - ou estava? - louco de amor.

Sim, ele existe!

;)

Marie Tourvel disse...

Mikio, querido, sim, ele existe e pode trazer dor. Entendo perfeitamente o que diz. Somos loucos, não somos? ;)

Beijos!

ana v. disse...

Amor tem de ser incondicional, Marie, ou não é amor. Amor com defesas, a meio pano, não vale grande coisa. Dói quando acaba, é verdade, mas enquanto dura... é eterno. Quanta razão tinha o Vinicius!
Beijos, querida.

(Rilke é uma perdição minha também)

Marie Tourvel disse...

Concordo, Ana, com amor incondicional. Não pode ter furos. Foi assim que aprendi nessa altura do campeonato. É assim que amo. E acho que o meu é eterno. Ponto.

Beijos, querida.

(Rilke é do balacobaco mesmo) :)

Mike disse...

Marie, se esse amor escapou, não era o grande amor de sua vida, menina. :)

Anônimo disse...

Lindo conto, querida! Beijo.

Marie Tourvel disse...

Mike, querido, conhece auto-sabotagem? Pois é...
Ainda acho que é o definitivo, mas...

Adoro quando vem por aqui.

Beijos!

Marie Tourvel disse...

Que bom que gostou de meu conto, Jana. :) Mambembão, mas ainda assim uma historinha.

Beijocas, querida

Anônimo disse...

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